9 de janeiro de 2016

A raposa e o lenhador

"Em algum lugar existiu um lenhador que acordava às 6 da manhã e trabalhava o dia inteiro cortando lenha, e só parava tarde da noite. Esse lenhador tinha um filho lindo, de poucos meses; e uma raposa, sua amiga, tratava como bicho de estimação de sua total confiança.
Todos os dias o lenhador ia trabalhar e deixava a raposa tomando conta do seu filho. Todas as noites ao retornar do trabalho, a raposa ficava feliz com sua chegada. Os vizinhos do lenhador alertavam que a raposa era um bicho, um animal selvagem; e portanto; não era confiável. Quando ela sentisse fome , ela comeria a criança. O lenhador, sempre retrucando com os vizinhos , falava que isso era uma grande bobagem. A raposa era sua amiga e jamais faria isso. Os visinhos insistiam:
- lenhador abra os olhos! A raposa vai comer seu filho!
Um dia, o lenhador muito exausto do trabalho e muito cansado desses comentários, ao chegar em casa, viu a raposa sorrindo como de sempre e sua boca totalmente ensangüentada... o lenhador suou frio e , sem pensar duas vezes, acertou o machado na cabeça da raposa...
Ao entrar no quarto,desesperado, encontrou seu filho no berço, dormindo tranqüilamente, e ao lado do berço uma cobra morta...
O lenhador enterrou o machado e a raposa juntos. Neste lugar nasceu uma linda arvore que jamais seria cortada..."
(Desconheço o autor)


Esta estória nos faz refletir sobre vários aspectos:
Primeiro, o preconceito. Os vizinhos se negavam a aceitar que a raposa fosse dócil porque tinham uma ideia pré concebida de que ela era um animal selvagem e, a partir dai, julgavam seus atos, sem conhecê-la. Isso acontece com frequencia em nossa sociedade. Várias pessoas são marginalizadas, sofrem a indiferença e o desprezo, devido ao estigma que a sociedade lhes impõe. Estigma este que não leva em consideração que estas pessoas tem dentro de si muito amor, sonhos, vontade de ser feliz, de viver em paz, e que só precisam ser respeitadas, valorizadas e amadas como são. Acabar com o preconceito é construir um mundo de paz. E isto é possível. Basta que as pessoas estejam abertas à conviver com as diferenças, a serem mais tolerantes, a respeitarem a individualidade do próximo. E, para isto, só é necessário uma dose de amor.

Em segundo lugar, percebe-se a influencia do grupo social sobre o comportamento da pessoa. O lenhador, mesmo amando muito a raposa, teve seus pensamentos contaminados pela insistencia dos vizinhos em dizer que a raposa comeria seu filho. Os vizinhos estavam certos ou errados? Até que ponto vale a pena se guiar pelo medo? Valeu a pena o lenhador ter dado ouvido a eles? Será que a 'verdade' da maioria é a melhor opção, a que traz mais felicidade? Isto também acontece na vida real. Tem gente que age como o lenhador: deixa de confiar em quem ama, abre mão de sua paz e felicidade diária, quebra o pacto de lealdade com quem estima, porque cede à influencia de outrem. E acaba tendo que conviver com o arrependimento, o sentimento de culpa, para o resto de suas vidas. Não é um preço alto demais para se pagar?

O terceiro aspecto é a importância da confiança. Como o lenhador depositava total confiança na raposa, ele a considerava sua amiga e confiava o cuidado do próprio filho, de poucos meses, a ela. Isto aconteceu porque a confiança gera segurança. E este amparo dá tranquilidade, paz. Acontece que, nesta estória, os vizinhos começaram a semear a desconfiança nele, dia após dia. E a desconfiança deu vazão à incerteza. E a dúvida, num momento de exaustão, levou ao desespero e ao erro. Assim, percebe-se que, da mesma forma que se constrói a confiança num relacionamento pode-se construir a desconfiança. E que, confiar gera a união; desconfiar, a quebra do vínculo.

A quarta perspectiva é o papel do conhecimento. Será que, se os vizinhos conhecessem bem a raposa, teriam agido diferente? Eu acredito que sim. O conhecimento abre possibilidades de atuação. Ele permite analisar a situação de uma forma mais objetiva; confirmar ou negar hipóteses, através da observação e da experiência. Através do conhecimento, percebe-se que não há verdades absolutas. Tudo é relativo.  Quanto mais se conhece alguém ou algo, menores são as chances da avaliação ser errada porque conhecer significa distinguír, individualizar, relacionar. A injustiça humana provém do  julgamento e condenação sem direito ao contraditório e à ampla defesa.

E, por fim, o mais importante: o papel do amor. Amar é uma decisão. Se os vizinhos tivessem decidido também amar a raposa como o lenhador amava, eles a perceberiam de outra forma, reconhecendo suas qualidades. O amor modifica o olhar o outro; reduz temores; favorece a aproximação; possibilita a cooperação, a colaboração; traz paz.